Catástrofe iminente <br> no Sudão do Sul

Carlos Lopes Pereira

O mais jovem país afri­cano, o Sudão do Sul, está à beira da ca­tás­trofe. Quatro meses e meio de guerra civil pro­vo­caram já mi­lhares de mortos e mais de um mi­lhão de re­fu­gi­ados e des­lo­cados. Paira a ameaça de fome ge­ne­ra­li­zada e as Na­ções Unidas alertam para a imi­nência de um «de­sastre hu­ma­ni­tário».

A alta co­mis­sária da ONU para os di­reitos hu­manos, a sul-afri­cana Navi Pillay, e o con­se­lheiro es­pe­cial do se­cre­tário-geral Ban Ki-moon para a pre­venção de ge­no­cí­dios, o se­ne­galês Adama Dieng, des­lo­caram-se ao Sudão do Sul em fi­nais de Abril. Reu­niram-se em Juba, a ca­pital, com o pre­si­dente Salva Kiir e vá­rios mi­nis­tros, e des­lo­caram-se a Nassir, na fron­teira com a Etiópia, onde se avis­taram com o líder re­belde, Riek Ma­char.

Os dois res­pon­sá­veis onu­sinos ve­ri­fi­caram a drás­tica de­te­ri­o­ração da si­tu­ação re­sul­tante do con­flito, em que há «graves vi­o­la­ções de di­reitos hu­manos». De­nun­ci­aram as­sas­si­natos em massa de civis, in­cluindo cri­anças e mu­lheres, e exe­cu­ções su­má­rias por tropas de ambos os lados. Re­al­çaram que «é es­sen­cial que o povo sul-su­danês e a co­mu­ni­dade in­ter­na­ci­onal pres­si­onem os lí­deres po­lí­ticos do país para que eles parem de ar­rastar ce­ga­mente o seu povo no ca­minho da au­to­des­truição». E ad­ver­tiram Kiir e Ma­char sobre as con­sequên­cias dos crimes de guerra e contra a hu­ma­ni­dade que estão a ser co­me­tidos.

Entre essas atro­ci­dades fi­guram ata­ques a es­colas, hos­pi­tais e postos de saúde. Re­cru­ta­mentos à força de mais de nove mil cri­anças pelos dois exér­citos. Vi­o­la­ções e raptos de me­ninas e mu­lheres.

Pillay e Dieng avi­saram também que a época de co­lheitas deste ano está per­dida, «com re­sul­tados de­vas­ta­dores na oferta de ali­mentos», e que as agên­cias hu­ma­ni­tá­rias no ter­reno re­ceiam que haja falta de co­mida em breve. E ma­ni­fes­taram-se «cho­cados» com a in­di­fe­rença dos di­ri­gentes sul-su­da­neses pe­rante o risco de fome ge­ne­ra­li­zada.

A co­mu­ni­dade in­ter­na­ci­onal foi igual­mente cri­ti­cada pela len­tidão com que tem re­a­gido à ca­tás­trofe no Sudão do Sul. Por exemplo, a força de paz das Na­ções Unidas, que em De­zembro o Con­selho de Se­gu­rança da ONU de­cidiu re­forçar, pas­sando de 7700 para 13 200 sol­dados, ainda não está com­pleta. Na frente hu­ma­ni­tária, as agên­cias pedem mais fundos, já que ne­ces­sitam de as­sis­tência 4,9 mi­lhões de pes­soas, nú­mero que cres­cerá se a vi­o­lência não cessar.

Lá­grimas de cro­co­dilo

En­quanto a guerra fra­tri­cida pros­segue, no plano po­lí­tico e di­plo­má­tico su­cedem-se vi­sitas e de­cla­ra­ções.

O se­cre­tário-geral das Na­ções Unidas, Ban Ki-moon, vi­sitou Juba na terça-feira, du­rante al­gumas horas, e re­petiu que há riscos de «ge­no­cídio» e «fome» se a guerra não for tra­vada no país.

Na vés­pera, o se­cre­tário de es­tado norte-ame­ri­cano, John Kerry – num pé­riplo por África que in­cluiu o Sudão do Sul e a Etiópia – re­petiu a ameaça de san­ções e de «graves con­sequên­cias» contra os res­pon­sá­veis pelo con­flito. Isto, no mo­mento em que forças go­ver­na­men­tais e re­beldes com­ba­tiam pelo con­trolo de Bentiu, ca­pital da pro­víncia pe­tro­lí­fera de Uni­dade que já mudou de mãos vá­rias vezes desde o co­meço da guerra.

Kerry exortou o pre­si­dente Salva Kiir e o seu an­tigo vice-pre­si­dente Riek Ma­char, de­mi­tido em Julho de 2013 e agora chefe dos in­sur­rectos, a res­peitar o cessar-fogo as­si­nado em Ja­neiro deste ano e nunca apli­cado. «As duas partes devem re­solver os di­fe­rendos na mesa de ne­go­ci­a­ções e não através de ac­ções mi­li­tares», acres­centou, pres­si­o­nando os dois lí­deres a chegar a acordo para dis­cus­sões di­rectas entre eles e a re­tomar as con­ver­sa­ções em Addis Abeba, me­di­adas por países da re­gião.

O Sudão do Sul tornou-se in­de­pen­dente em Julho de 2011, se­pa­rando-se do Sudão de­pois de duas dé­cadas de con­flito (1983-2005) entre Cartum e a re­be­lião su­lista de que Kiir e Ma­char eram altos di­ri­gentes. Os Es­tados Unidos apoi­aram o mo­vi­mento se­pa­ra­tista e apa­dri­nharam a in­de­pen­dência do país, de 11 mi­lhões de ha­bi­tantes, rico em pe­tróleo – ex­plo­rado por com­pa­nhias de di­versos países, entre os quais a China.

Em De­zembro pas­sado, os an­ta­go­nismos entre o pre­si­dente e o an­tigo vice-pre­si­dente de­ge­ne­raram em con­flito ar­mado, que se trans­formou ra­pi­da­mente numa san­grenta guerra civil, com a emer­gência de ri­va­li­dades ét­nicas entre os dinka, de Kiir, e os nuer, de Ma­char.

O caso do Sudão do Sul não é único na África de hoje. Os im­pe­ri­a­listas, na es­tra­tégia de do­mi­nação dos povos e pi­lhagem das suas ri­quezas, aliam-se a sec­tores cor­ruptos das bur­gue­sias in­dí­genas, criam di­ver­gên­cias ét­nicas e re­li­gi­osas, di­videm es­tados, fo­mentam guerras, se ne­ces­sário in­tervêm mi­li­tar­mente como na Líbia, no Mali e na Re­pú­blica Centro-Afri­cana. E de­pois, para ca­mu­flar os seus crimes, der­ramam lá­grimas de cro­co­dilo e exigem a paz…




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